segunda-feira, 21 de março de 2011

Romeo e Julieta


 Ato I

Cena V

O mesmo. Um salão em casa de Capuleto. Músicos esperam. Entram criados.

     PRIMEIRO CRIADO — Onde está o Caçarola, que não vem ajudar a tirar a mesa? Aquele troca-pratos! Olá, Raspa-pratos!
     SEGUNDO CRIADO — Retira esses tamboretes, arrasta o aparador. Cuidado com a baixela! Amigo, separa para mim um pedaço de massapão. E se me tens amizade, dize ao porteiro que deixe entrar Nell e Susana Grindstone. Antônio! Caçarola!
     TERCEIRO CRIADO — Aqui, rapaz! Estamos prontos.
     PRIMEIRO CRIADO — Estão vos chamando, estão vos procurando, reclamam vossa presença na sala grande.
     TERCEIRO CRIADO — Não podemos estar aqui e lá ao mesmo tempo.
     SEGUNDO CRIADO — Alegria, rapazes! Ficai lépidos pelo menos uma vez na vida. Quem viver mais tempo, ficará com tudo.
     (Afastam-se para o fundo.)
     (Entram Capuleto, Julieta e outras pessoas da casa, que se encontram com hóspedes e mascarados.)
     CAPULETO — Cavalheiros, bem-vindos. As senhoras que não sofrerem no dedão de calos hão de dançar convosco. Olá, senhoras! Qual de vós há de agora recusar-se a dar uma voltinha? A que mimosa se mostrar por demais, faço uma aposta em como terá calos. Como! Agora ficamos juntos? Sede aqui bem-vindos, meus senhores! Já vi também os dias em que punha uma máscara e sabia cochichar uma ou duas palavrinhas nuns ouvidos bonitos. E agradavam! Mas já lá vai o tempo... Tudo passa. Sois bem-vindos, senhores. Vinde, músicos! Tocai logo! Licença! Abri caminho... Com licença! Meninas, ligeireza! (Música e dança.) Mais luz, marotos! Arrastai as mesas e apagai esse fogo, que está muito quente aqui dentro. Ah! essas brincadeiras inesperadas chegam sempre a tempo. Sim, sentai-vos, sentai-vos, caro primo Capuleto; nós dois já não estamos na idade de dançar. Há quanto tempo deixamos de pôr máscara?
     SEGUNDO CAPULETO — Trinta anos, pela Virgem; trinta anos.
     CAPULETO — Como, primo! Não, não faz tanto tempo; é muita coisa. Foi desde o casamento de Lucêncio. Venha quando quiser o Pentecostes, serão vinte e cinco anos.... Nós, de máscara...
     SEGUNDO CAPULETO — Muito mais! Muito mais! O filho dele, senhor, tem mais idade; tem trinta anos.
     CAPULETO — Que dizeis! Pois se esse filho dele há uns dois anos maior não era ainda!
     ROMEU — Que dama é aquela que enriquece o braço daquele cavalheiro?
     CRIADO — Desconheço-a, meu senhor.
     ROMEU — Oh! ela ensina a tocha a ser luzente. Dir-se-ia que da face está pendente da noite, tal qual jóia mui preciosa da orelha de uma etíope mimosa. Bela demais para o uso, muito cara para a vida terrena. Como clara pomba ao lado de gralhas tagarelas, anda no meio das demais donzelas. Vou procurá-la, ao terminar a dança porque a esta rude mão possa dar ansa de tocar nela e, assim, ficar bendita. Meu coração, até hoje, teve a dita de conhecer o amor? Oh! que simpleza! Nunca soube até agora o que é beleza.
     TEBALDO — Pela voz este aqui é algum Montecchio. Rapaz, vai buscar logo minha espada. Como! Esse escravo atreve-se a, com máscara grotesca, vir aqui, para de nossa festividade rir e fazer pouco? Pela honra do meu sangue e nobre estado, dar-lhe a morte não julgo ser pecado.
     CAPULETO — Que tens, sobrinho? Que se dá contigo?
     TEBALDO — Tio, aquele é um Montecchio, nosso inimigo; um vilão que aqui entrou por zombaria, para nos estragar toda a alegria.
     CAPULETO — Não é o jovem Romeu?
     TEBALDO — O mesmo, o biltre Romeu.
     CAPULETO — Gentil sobrinho, fica quieto; deixa-o tranqüilo. Ele se tem mostrado perfeito gentil-homem. Para ser-te franco, Verona tem orgulho dele, como rapaz virtuoso e mui polido. Nem por toda a riqueza da cidade quisera que ele aqui fosse ofendido. Acalma-te, portanto, e fica alegre; essa é a minha vontade. Se a acatares, fica alegre e desfaze essa carranca que não vai bem com nossa alacridade.
     TEBALDO — Vai, sim, quando um vilão se mete nela. Não o suporto.
     CAPULETO — Terás de suportá-lo. Como, rapaz! Estou mandando: deixa-o! Quem manda aqui, acaso; vós ou eu? Ora, não o suportais! Deus me salve a alma. Quereis fazer barulho entre meus hóspedes? Provocar briga? Ser mandão na festa?
     TEBALDO — Mas, tio, é vergonhoso...
     CAPULETO — Ide, ide. Sois petulante, não? Prejudicar-vos ainda pode esta história. Sei de tudo. Procurais contrariar-me? Eis o momento. – Muito bem, corações! – Sois um fedelho. Ide acalmar-vos – Luz! Mais luz! – Que opróbrio! Já vou deixar-vos quieto. – Assim, meus caros! Alegria! Alegria!
     TEBALDO — A paciência e o furor, equilibrados, inativos me deixam com seus brados. Vou sair; mas o intruso que hoje é mel, será amanhã o mais amargo fel. (Sai.)
     ROMEU — (a Julieta) – Se minha mão profana o relicário em remissão aceito a penitência: meu lábio, peregrino solitário, demonstrará, com sobra, reverência.
     JULIETA — Ofendeis vossa mão, bom peregrino, que se mostrou devota e reverente. Nas mãos dos santos pega o paladino. Esse é o beijo mais santo e conveniente.
     ROMEU — Os santos e os devotos não têm boca?
     JULIETA — Sim, peregrino, só para orações.
     ROMEU — Deixai, então, ó santa! que esta boca mostre o caminho certo aos corações.
     JULIETA — Sem se mexer, o santo exalça o voto.
     ROMEU — Então fica quietinha: eis o devoto. Em tua boca me limpo dos pecados. (Beija-a.)
     JULIETA — Que passaram, assim, para meus lábios.
     ROMEU — Pecados meus? Oh! Quero-os retornados. Devolve-mos.
     JULIETA — Beijais tal qual os sábios.
     AMA — Vossa mãe quer falar-vos, senhorita.
     ROMEU — Quem é a mãe dela?
     AMA — Ora essa, cavalheiro! A dona desta casa, certamente, uma digna senhora, honesta e sábia. Amamentei-lhe a filha, a senhorita com que falastes. E uma coisa eu digo, com certeza: quem vier a desposá-la, ficará cheio de ouro.
     ROMEU — É Capuleto? Oh conta cara! Minha vida é dívida de hoje em diante no livro do inimigo.
     BENVÓLIO — A festa já acabou; vamos embora.
     ROMEU — Acabou? Para mim começa agora.
     CAPULETO — Não, cavalheiros, não saiais tão cedo; ainda teremos uma ceiazinha. Mas partis mesmo? A todos, obrigado. Muito obrigado, honesto cavalheiro. Boa noite. – Trazei-me aqui mais tochas! Sendo assim, vou deitar-me. É certo, amigo: já está ficando tarde. Vou deitar-me.
     (Saem todos, com exceção de Julieta e a ama.)
     JULIETA — Ama, quem é aquele gentil-homem?
     AMA — Herdeiro e filho de Tibério, o velho.
     JULIETA — E aquele que ora passa pela porta?
     AMA — Se não me engano, é o filho de Petrucchio.
     JULIETA — E aquele que ali vai, que não dançou?
     AMA — Não sei quem seja.
     JULIETA — Então vai perguntar-lhe como se chama. Vai! Se for casado, um túmulo será todo o meu fado.
     AMA — Romeu é o nome dele; é um dos Montecchios, filho único do vosso grande inimigo.
     JULIETA — Como do amor a inimizade me arde! Desconhecido e asnado muito tarde. Como esse monstro, o amor, brinca comigo: apaixonada ver-me do inimigo!
     AMA — Como assim? Como assim?
     JULIETA — Isso é uma rima que aprender fui com quem dancei há pouco.
     AMA — Já vamos! Um momento! – Está na hora; já se foram os hóspedes embora.
     (Saem.)

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